quinta-feira, agosto 31, 2006

A grande viagem

Quem me conhece, sabe que eu curto assistir filmes de outras cinematografias. Fujo um pouco do cinemão "Hollywood" e vejo filmes franceses, iranianos, alemães, suecos, chineses...

Simplesmente, aprendi a ir ao cinema sem preconceitos (tipo aqueles que falam "ahhh, mas você quer assistir este filme? É um filme brasileiro" ou "filmes franceses são tão chatos"). O que eu digo é que há filmes chatos em qualquer idioma e há filmes bons em qualquer cultura.

Ontem fui conferir "A grande viagem", uma co-produção franco-marroquina. E gostei do que vi. Há no filme os mais diversos retratos de conflitos: o conflito de gerações (pai x filho), o conflito de culturas (ocidente x oriente), o conflito ideológico (razão e exaltação da ciência no mundo moderno x intuição e consciência na fé religiosa).

Enfim, este é um filme que permite diversas leituras e, por isso mesmo, para mim, um filme inteligente. Ele permite que se faça uma leitura, não é um caminho direcionado como geralmente acontece nos filmes americanos.

O filme conta a estória de Reva e seu pai. Reva é um jovem francês de origem muçulmana mas já profundamente marcado pelas instituições ocidentais. O pai deseja fazer uma viagem de peregrinação a Meca (um dos sete pilares da religião islâmica) e decide que o filho deverá acompanhá-lo.

O filho entra em conflito interno: obedecer ao pai ou seguir com sua vida? Segue forçosamente com o pai. E cruzam de carro a França, a Itália, a Sérvia, a Turquia, a Síria e a Jordânia até chegarem na cidade sagrada de Meca, na Arábia Saudita.

As imagens dos peregrinos em Meca impressionam... um mar de gente seguindo até lá movido pela força da fé. O cenário do deserto amplo (seja na neve ou no calor escaldante da areia) é um convite a interiorização. E é nesta amplitude que pai e filho se aproximam e se afastam e se reaproximam.

Relacionamentos familiares são complicados... mais complicados do que os outros. Há aqui um laço forte, atando os dois lados. Sempre tive um relacionamento tumultuado com meus pais e irmãos, marcado por uma mistura explosiva de respeito e amor, de contradições e raiva.

Ao mesmo tempo que precisamos desta referência, também desejamos marcar nossa individualidade e independência. Sou parte da família mas também sou apenas eu mesmo. Amadurecer, muitas vezes é conseguir se identificar no meio de todas estas influências. Crescer é muitas vezes romper os laços com a nossa referência para se descobrir no mundo.

segunda-feira, agosto 28, 2006

Se você me amasse...


Se você me amasse, eu seria o que eu realmente sou... Eu sou meio homem, meio animal. Meio lógico, meio intuitivo.

Sou conflito eterno, sou eu tentando me entender e tentado a ser entendido pelos outros. Louco tentando ser consciente de sua própria loucura.

Se você me amasse, eu apenas seria. Não precisaria me policiar para ser aquele que você gosta. Eu sou assim: meio “livro aberto”, meio “segredo guardado a sete chaves”, meio “careta-mórmon de Salt Lake City, meio “liberal de Amsterdam”. Gosto de mim assim; meio metamorfose, meio nonsense e meio a fim de te dar um beijo.

Dar aquele beijo que me leva àquele lugar onde sempre estive e pouco estou, àquele lugar onde sou pleno de luz e de sombras, de sol e de chuva, de caras e bocas, de primavera e outono, de anos e segundos... àquele lugar onde sou pleno de mim.

Se você me amasse, eu seria o que eu sou. Sou presente e sou infinito, sou dono do mapa me perdendo em seu território, sou Marco Polo explorando o seu mundo e te conhecendo-desconhecendo.

Se você me amasse, eu seria tudo o que eu sou. Seria a mesma coisa de sempre mas muito, muito mais feliz.

domingo, agosto 27, 2006

Zuzu Angel

"Quem é essa mulher que canta sempre esse lamento? Só queria lembrar o tormento que fez meu filho suspirar."

E assim cantou o Chico Buarque na homenagem póstuma que fez a estilista Zuzu Angel. E é esta a música que aparece nos créditos finais do filme de Sérgio Resende.

A história de Zuzu Angel tem todos os ingredientes para gerar um bom filme, jogando luz num dos períodos vergonhosos da história do Brasil: a tortura e desaparecimento de presos políticos durante a ditadura militar.

Paa quem não sabe muito a respeito da história de Zuzu Angel, vou tentar resumir algo aqui. No início dos anos 70, Zuzu Angel, estilista mineira e que fez carreira no Rio de Janeiro, estava no auge. Suas criações eram sucesso nos EUA e tinha como clientes famosos como as atrizes Joan Crawford e Lisa Minelli.

Seu filho, Stuart Angel Jones era militante da esquerda e foi preso e torturado na Base Aérea do Galeão. Durante uma das sessões de tortura, onde foi amarrado a um jipe e arrastado pelo chão, com a boca no cano do escapamento do veículo, morreu. E seu corpo foi jogado ao mar.

A partir daí, depois de tomar conhecimento da morte do filho, Zuzu Angel buscou provar que seu filho tinha sido morto pelos militares. Por conta disso, foi assassinada pelos militares no túnel que hoje leva o seu nome.

Surpreende a força da personagem. Todo o processo de iluminação política: da dona-de-casa e costureira apolítica para a estilista que encontrou na morte do filho uma causa para lutar e denunciar. Patrícia Pillar encarna muito bem a personagem e faz um trabalho excepcional. Atentem (para quem for assistir) na cena em que ela encontra o pai do guerrilheiro Lamarca. Uma cena cheia de nuances e de uma delicadeza incrível.

O restante do elenco faz um trabalho correto. Daniel de Oliveira (Stuart Angel), Leandra Leal (Sônia), Regiane Alves (Hildegarde) e Luana Piovani (Elke). Ahhh... e uma participação especial da Elke Maravilha encarnando uma cantora russa.

Outro ponto positivo a ser destacado é a direção de arte: cenografia e figurino reconstituindo os anos 70. Do Karman Ghia à máquina de costura Singer, dos vestidos com bordados de anjos e balas de canhão aos uniformes dos militares.

sexta-feira, agosto 25, 2006

A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir


Logo após a faculdade de administração, prestei novo vestibular e comecei a faculdade de pedagogia. E aprendi muita coisa sobre as teorias de educação. Ficava encantado com as idéias de Maria Montessori, Freinet, Carl Rogers, Paulo Freire. E o que eu fiquei questionando depois de ter estudado tudo isso: como é que com tantas boas idéias, a escola continuava sendo um espaço tão fechado para absorver estas mudanças?

Aí me deparei recentemente com a experiência da Escola da Ponte em Vila Nova de Farmalicão, Portugal. E depois de ler alguns artigos sobre a experiência da Escola da Ponte, fui ficando fascinado pelas idéias de José Pacheco, o educador responsável pela revolução.

Dos artigos para o livro de Rubem Alves, foi um pulo. O nome do livro? A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir.

Apesar de falar sobre a experiência da Escola da Ponte, o livro é um bom gancho para refletirmos sobre a educação e a estruturação da escola hoje. Fala sobre a asfixia dos programas elaborados pelo ministério da Educação e de como aprendemos quando nos orientamos pela experiência da vida.

Por que os alunos são indisciplinados? Talvez não houvesse indisciplina se houvesse interesse em aprender. E como temos interesse em aprender algo? Temos interesse em aprender quando sabemos que vamos usar algo.

Na Escola da Ponte, não existem salas de aula, não existem aulas de geografia, matemática, história ou literatura. Tampouco existem séries ou intervalos entre uma aula e outra. Aliás, não existem aulas.

Os próprios alunos se organizam em grupos para trabalhar em projetos. E é a partir da definição do projeto (pelos próprios alunos) que se inicia todo o processo de aprendizagem. Os grupos de pesquisa são formados por alunos de todas as idades e se forma naturalmente de acordo com as afinidades.

E são os próprios alunos que buscam os conteúdos e no final do projeto de pesquisa, se avaliam. Os professores são apenas figuras presentes para orientação (quando solicitados pelos alunos).

Além disso, os próprios alunos da escola elaboram as regras de conduta e resolvem os problemas da escola em assembléias semanais. Dá pra imaginar ambiente mais democrático? Falamos em democracia mas somos educados numa estrutura tirânica e competitiva. Que grande contrasenso, não?

Aí, a gente se pergunta... e isso continua sendo uma escola? Sim, uma escola excepcional. Uma escola que ensina mais do que conteúdos de "programas", ensina conteúdos para a vida.

E eu só lamento que esta experiência ainda esteja tão longe para nós.

terça-feira, agosto 22, 2006

Mitty: por que criamos laços com nossos animais de estimação?


No filme "Minha vida de cachorro" do sueco Lasse Halstrom, o garoto Ingemar olha para céu e fica pensando sobre a solidão de Laika no espaço cósmico. Laika era apenas uma cachorra vira-lata que foi pega pelos russos e enviada para o espaço. Mas mesmo assim, a história afetou a imaginação da criança no filme.

Ontem recebi a notícia de que uma das minhas cachorras morreu. Ela estava doente e já era bem velhinha (estava há mais de 12 anos na família), mas mesmo sabendo de tudo isso recebi a notícia com um certo choque.

Por que a gente se apega aos nossos animais de estimação? Os psiquiatras talvez digam que é pura transferência de afeto. E talvez seja... o mesmo sentimento e fantasia que permeia a imaginação de uma menina que brinca com a boneca e a ama como filha, deve ser o mesmo que faz com que criemos vínculos com os animais de estimação.

Acho que gostamos tanto assim dos animais de estimação porque são seres totalmente dependentes de nós. Há uma responsabilidade grande quando decidimos ter um cachorro ou um gato ou mesmo um aquário de peixes vermelhos. Aquelas vidas estão sob sua responsabilidade. E a retribuição disso, pelo menos eu sentia, era uma espécie de "amor incondicional".

Eu podia ser apenas eu, e as minhas cachorras simplesmente me aceitariam desta forma. Eu não precisava mudar ou agir diferententemente para agradá-las. Eu apenas era eu e tudo continuava da mesma forma.

Lembrei agora de dois livros que retratavam bem esta relação. Graciliano Ramos em "Vidas secas" falava da cachorra Baleia e, de longe, o relato da morte de Baleia é a parte mais tocante naquela miséria e secura de sentimentos. Como se os sentimentos do animal fossem mais profundos e tocantes do que os sentimentos ressequidos das personagens humanas.

O outro livro é "A insustentável leveza do ser" do Milan Kundera. Ali, Tereza lamenta sobre a cachorra Karenin, que sofre por conta de um câncer na perna. E parece haver ali tanto amor nesta relação entre Tereza e Karenin quanto há no relacionamento entre Tereza e Tomás, seu marido.

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- O que aconteceu com seu cachorro? Parece que ele está mancando!
Tereza responde:
- Está com câncer. Está condenado - e sente a garganta apertar, quase não pode falar.
A vizinha percebe as lágrimas de Tereza e fica indignada:
- Pelo amor de Deus, não vai chorar por causa de um cachorro!
Não disse isso por maldade, é uma boa mulher, foi mais para consolar Tereza. Tereza sabe disso, mora no lugar há tempo suficiente para compreender que se os camponeses gostassem de seus coelhos como ela gosta de Karenin não poderiam matá-los e acabariam morrendo de fome no meio de seus bichos. No entanto, a observação da vizinha lhe parece hostil.
- Sei - responde sem protestar, mas se apressa em dar-lhe as costas e continuar seu caminho. Sente-se sozinha em seu amor pelo cão. Pensa com um sorriso triste que deve escondê-lo mais secretamente do que se escondesse uma infidelidade. O amor que se tem por um cachorro escandaliza.

(de "A insustentável leveza do ser", Milan Kundera)

segunda-feira, agosto 21, 2006

O monge e o executivo


O que fazer num final de semana marcado pelo céu nublado e pela preguiça de confrontar o corpo contra o vento frio? Juro que tentei... até fui ao jardim da praia para tentar sentir na pele aquele calor mirrado do sol. O vento e a areia nos meus cabelos foram mais desagradáveis e voltei para casa.

E li... nada de TV, nada de horas diante do computador. Peguei um livro e fiquei me deliciando nas frases, degustando cada palavra. A leitura deste fim de semana foi "O monge e o executivo", livro recomendado pelo meu coach e escrito por James C. Hunter, cosultor em relações trabalhistas e treinamento.

Leitura fácil, sem ser técnica demais e o melhor de tudo: cada idéia mostrada no livro, conversava com os meus conteúdos. Para mim, o livro marcou uam espécie de descoberta: enfim descobri como conciliar o que penso e como ajo com o meu trabalho.

O trabalho para mim sempre foi marcado por algo mais técnico, mais razão, menos emoção. E vejo que a essência da liderança (ao menos no livro) não está longe da regra de ouro das religiões.

Mas, vamos a história... cenário: um mosteiro beneditino. Personagens: irmão Simeão (um ex-empresário de carreira brilhante que tornou-se um monge) e John Daily (executivo de uma indústria de vidros, em crise na família e no emprego). Há outras personagens secundárias, mas destaco apenas estes dois porque é no confrontamentdo de idéias e na relação de mestre-discípulo que se trava ali que gira o conteúdo do livro.

Há passagens fascinantes no livro, invertendo um velho paradigma de liderança. Estabelece-se ali uma distinção entre poder e autoridade. E que a liderança provém do amor, o líder é também um servidor.

Ok, ok... Amor pode parecer uma palavra estranha neste contexto. Mas faz muito sentido e é muito bem explorada no livro. Só para atiçar, vou deixar um trechinho logo abaixo.

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-Você vê o que eu quero dizer, Teresa? O amor é definido um tanto mesquinhamente, e a maioria das definições envolve sentimentos positivos. O professor de línguas me explicou que muito do Novo Testamento foi originalmente escrito em grego, e os gregos usavam várias palavras diferentes para descrever o multifacetado fenômeno do amor. Se bem me lembro, uma dessas palavras era eros, da qual deriva a palavra erótico, e significa sentimentos baseados em atração sexual e desejo ardente. Outra palavra grega para amor, storgé, é afeição, especialmente com a família e entre seus membros. Nem eros nem storgé aparecem nas escrituras do Novo Testamento. Outra palavra grega para amor era philos, ou fraternidade, amor recíproco. Uma espécie de amor condicional, do tipo "você me faz o bem e eu faço o bem a você". Finalmente, os gregos usavam o substantivo agapé e o verbo correspondente agapaó para descrever um amor incondicional, baseado no comportamento com os outros, sem exigir nada em troca. É o amor da escolha deliberada. Quando Jesus fala de amor no Novo Testamento, usa a palavra agapé, um amor traduzido pelo comportamento e pela escolha, não o sentimento do amor.

- Pensando nisso agora - a enfermeira acrescentou -, parece bobagem tentar mandar alguém ter um sentimento ou emoção por alguém. Neste sentido, aparentemente Jesus Cristo não queria dizer que nós devemos fazer de conta que as pessoas ruins não são ruins, ou nos sentir bem a respeito de pessoas que agem indignamente. O que ele queria dizer era que devemos nos comporta bem em relação a elas. Eu nunca tinha pensado dessa maneira.

domingo, agosto 20, 2006

Sobre a amizade

E espero sinceramente, que possa dizer de todo este tempo passado por aqui, que valeu a pena por conta dos amigos que conheci. E, neste estudo de Aristóteles a respeito da amizade, reflito o caminho que consigo trilhar em cada um dos meus relacionamentos... sempre em busca da amizade verdadeira.

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Assim como os motivos da Amizade diferem em espécie, também diferem as respectivas formas de afeição e de amizade. Existem três espécies de Amizade, e igual número de motivação do afeto, pois na esfera de cada espécie deve haver "afeição mútua mutuamente reconhecida".

Aqueles que têm Amizade desejam o bem do amigo de acordo com o motivo da sua amizade; desse modo, aqueles cujo motivo é a utilidade não têm Amizade realmente um pelo outro, mas apenas na medida em que recebem um bem do outro.

Aqueles cujo motivo é o prazer estão em caso semelhante: isto é, têm Amizade por pessoas de fácil graciosidade, não em virtude de seu caráter, mas porque elas lhes são agradáveis.

Assim, aqueles cujo motivo da Amizade é a utilidade amam seus amigos pelo que é bom para si mesmo; aqueles cujo motivo é o prazer o fazem pelo que é prazeroso a si mesmo; ou seja, não em função daquilo que a pessoa estimada é, mas na medida em que ela é útil ou agradável.

Essas Amizades são portanto circunstanciais: pois que o objeto não é amado por ser a pessoa que é, mas pelo que fornece de vantagem ou prazer, conforme o caso.

Tais Amizades são de fato muito passíveis de dissolução se as partes não permanecem iguais: isto é, os outros cessam de ter Amizade por eles quando deixam de ser agradáveis ou úteis. Ora, a natureza da utilidade não é de permanência, mas de constante variação: assim, quando o motivo que os tornou amigos desaparece, a Amizade também se dissolve; pois que existia apenas em relação àquelas circunstâncias...

A perfeita Amizade é a que subsiste entre aqueles que são bons e cuja similaridade consiste na bondade; pois esses desejam o bem do outro de maneira semelhante: na medida em que são bons (e são bons em si mesmo); e são especialmente amigos aqueles que desejam o bem a seus amigos por si mesmo, porque assim se sentem em relação a eles, e não por uma mera questão de circunstâncias; assim, a Amizade entre esses homens permanece enquanto eles são bons; e a bondade traz em si um princípio de permanência...

São poucas as probabilidades de Amizade dessa espécie, porque os homens dessa espécie são raros. Além disso, pressupõem-se todas as qualificações exigidas, essas Amizades exigem ainda tempo e intimidade; pois, como diz o provérbio, os homens não podem se conhecer "até que tenham comido juntos a quantidade de sal necessária"; nem podem de fato admitir um ao outro em sua intimidade, muito menos serem amigos, até que cada um se mostre ao outro e dê provas de ser objeto apropriado para a Amizade.

Aqueles que iniciam apressadamente uma troca de gestos amigáveis querem ser amigos mas não o são, a menos que sejam também objetos apropriados para a Amizade e se reconheçam mutuamente como tal: ou seja, o desejo de Amizade pode surgir rapidamente, mas não a amizade propriamente dita.

Texto extraído da obra "Ética a Nicômaco", de Aristóteles

sexta-feira, agosto 18, 2006

Sonhos de Einstein


Terminei de ler o livro do Alan Lightman: "Sonhos de Einstein". Um livro muito fácil e gostoso de se ler, caminha muito pelo lado onírico e parte de um pressuposto simples: quais foram os sonhos que Einstein teve para criar sua teoria sobre espaço-tempo?

Há vários sonhos que respondem considerações sobre o tempo. E se o tempo não fosse contínuo? E se pudéssemos viajar pelo tempo? E se o tempo não fosse uma medida? E se o tempo fosse vivido de trás para frente?

Vários "e se..." respondidos de forma simples, elocubrações com um fundo poético mas também com um pé na física teórica. Não, não se assuste ao ler que o escritor é um físico. Nem se intimide ou deixe de ler o livro por conta disso. O livro é deliciosamente bem escrito e viajamos no tempo pelos sonhos de Einstein.

Abaixo, vou transcrever uma das considerações feitas num dos sonhos: "E se pudéssemos viver para sempre?". Aproveitem e se quiserem mais, melhor correr para as livrarias. risos.

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Suponhamos que as pessoas vivam eternamente. Estranhamente, as populações de cada cidade estão divididas em dois grupos: os Depois e os Agoras.

Os Depois consideram que não há pressa para entrar na universidade, para começar a aprender uma segunda língua, para ler Voltaire ou Newton, para lutar por uma promoção, para se apaixonar, para constituir família. Para todas essas coisas há um tempo infinito. No tempo sem fim, todas as coisas podem ser realizadas. Assim, todas as coisas podem esperar. E quem pode argumentar contra a lógica dessas pessoas? Os Depois podem ser reconhecidos em qualquer loja ou passeio. Seu andar é tranqüilo e eles usam roupas folgadas. Gostam de ler qualquer revista que apareça aberta, de rearranjar os móveis em casa, ou de iniciar uma conversa com a mesma facilidade com que uma folha cai de uma árvore. Os Depois deixam-se ficar nos cafés bebericando café e discutindo as possibilidades da vida.

Os Agoras percebem que, com vidas infinitas, eles podem fazer tudo o que puderem imaginar. Terão um número infinito de carreiras, casarão um número infinito de vezes, mudarão suas crenças políticas infinitamente. Cada pessoa será advogado, pdreiro, escritor, contador, pintor, físico, fazendeiro. Os Agoras estão constantemente lendo novos livros, aprendendo novos ofícios, novas línguas. De modo a experimentar a infinidade da vida, eles começam cedo e nunca vão devagar. E quem pode argumentar contra a lógica dessas pessoas? É fácil identificar os Agoras. São os donos dos cafés, os professores universitários, os médicos e enfermeiras, os políticos, as pessoas que balançam as pernas constantemente quando se sentam. Eles transitam por uma sucessão de vidas, dispostos a não deixar escapar nada.

Quando dois Agoras encontram-se casualmente na pilastra hexagonal da fonte Zähringer, comparam as vidas que conquistaram, trocam informações e olham seus relógios. Quando dois Depois se encontram no mesmo local, converam sobre o futuro e seguem com os olhos a parábola de água do chafariz.

Os Agoras e Depois têm uma coisa em comum. Como a vida é infinita, ambos têm uma lista infinita de parentes. Avós nunca morrem, tampouco bisavós, tias-avós e tios-avôs, tias-bisavós, e assim por diante; gerações de antecedentes afora, todos estão vivos e dando conselhos. Filhos nunca se livram da sombra dos pais. Nem filhas se livram da sombra das mães. Ninguém jamais está sozinho.

quarta-feira, agosto 16, 2006

Memória

Eu tive um início de semana surreal. De repente, apertei o botão de ligar do computador e ele simplesmente não ligava.

Achei que pudesse ser algum cabo com problema de mau-contato e fiquei apertando todos lá naquela área obscura atrás do computador. E nada. Desisti e fui levar o computador para o mesmo lugar onde ele nasceu. risos.

O gato subiu no telhado... sabe aquela frase que falam para te preparar o espírito para algo pior? Pois é. Foi esta a minha sensação quando o técnico olhou lá dentro e disse que podia ser algo na placa-mãe.

O coração na mão quando técnico começou a abrir o computador. Ele olhou e tirou de lá uma peça brilhante dizendo: o HD entrou em curto e não vai funcionar mais. E só sei que na hora devo ter ficado em estado de choque porque não disse nada e fiquei sem reação.

Só depois que meu amigo cutucou meu braço é que percebi que teria que lidar com aquilo. Sim, o meu HD subiu para o telhado, caiu e morreu. E com tudo isso, eu só estava tentando entender o que isso significava. Vários textos que eu tinha escrito, vários e-mails recebidos e enviados, várias músicas, várias fotos... tudo isso sumiu.

E num instante. E eu só tentando me lembrar até quando tinha feito o backup. Em casa vi que minha "memória" resgatável ia somente até o dia 04 de maio. Ou seja, os meses de maio, junho e julho estavam perdidos.

Teria que resgatar muita coisa. Mas muita coisa foi perdida... todos os vestígios de trocas afetivas que rolaram por e-mail foram embora. Todas as fotos de eventos recebidas foram embora. E eu que nem imaginava o quanto um computador poderia ser tão importante na preservação de tantas coisas da nossa memória.

domingo, agosto 13, 2006

Circo Roda Brasil


Confesso... eu nunca fui ao circo. Nem quando era criança nem quando pude já definir os programas que gostaria de fazer. Sempre fiquei na curiosidade mas nunca tinha achado algo que me atraísse o suficiente.

Até que começou este movimento do "Novo circo". Nada de animais nem de produções improvisadas. Agora a palavra de ordem era "espetáculo". E finalmente o Cirque du Soleil e o Cirque Plume vieram para o Brasil. Mas mesmo assim, a correria para garantir presença e os preços exorbitantes do ingresso me afastaram mais uma vez.

E achei que não fosse mais ver nenhuma apresentação circense. Que iria ver a influência desta arte do circo apenas indiretamente nas peças de grupos como o Galpão ou o Intrépida Trupe.

Aqui bato palmas para a iniciativa (e visão) dos grupos Parlapatões e Pia Fraus, que se juntaram para criar o espaço Roda Brasil. Enfim, pude conferir um espetáculo circense e respirar aquele ar de picadeiro. Deliciar-me com os trapezistas e palhaços, com os equilibristas, com a anã (que depois, eu soube que é filha do Nelson Ned) e o show das águas dançantes (uma sátira) e até mesmo com os animais (de mentirinha, só para frisar... e incitando a imaginação com híbridos como a giravaca - uma mescla de girafa com vaca - e o porcoleta - porco + borboleta).

Curti muito cada minuto do espetáculo e recomendo muito a todos. Fica aqui a dica. E só para arrematar, uma frase dita por um dos palhaços: "com o preço de um ingresso para o Cirque du Soleil, compre uma fileira inteira aqui".

sábado, agosto 12, 2006

Leonce e Lena


Ahhh.. o tédio. Este tédio que nos assoma, que nos deixa perdidos, que nos faz querer e não querer, que nos paralisa, que nos domina.

Acho que este é o sentimento mais trabalhado na nova peça do Gabriel Vilela. Menos uma história de amor, mais uma história sobre o tédio que move cada personagem.

Há uma trilha sonora eclética que permeia toda a narrativa: de "Evidências" do Chitãozinho e Xororó a "Rosa vermelha" ou "Vai chover fulô", de "O canto da cidade" da Daniela Mercury a Fafá de Belém.

Pontos altos: a estética visual da peça. Da cenografia original de J.C.Serroni (Papelão, muito papelão... inclusive formando os assentos sobre os quais o público se acomoda) ao figurino coloridíssimo e quase barroco (um contraste a monocromia do papelão). Algumas faixas com reproduções de obras do artista Farnese de Andrade, deixam ainda mais clara a dicotomia entre a inocência e a bizarrice das personagens.

"Quem é você que vem invadir os meus sonhos a noite?"
Frase dita pela princesa Lena

Idiomaterno


O neologismo acima é uma invenção fascinante. Lê-se aqui duas possibilidades: "idioma terno" e "idioma materno". De onde eu tirei este neologismo? De uma visita fantástica pela língua portuguesa.

Fui conhecer o novo Museu da Língua Portuguesa, a Estação Luz da Nossa Língua. Parte da antiga estação da Luz foi restaurada e ganhou um espaço fascinante para a exploração desta coisa tão cotidiana e tão rica que é a nossa língua.

A minha dica de visitação é: comece de cima para baixo. No último andar, um vídeo com narração da Fernanda Montenegro mostra a viagem pela nossa língua. Dos primórdios até a cacofonia e inventividade atuais. Depois, um passeio por poesia (a melhor parte em todo o tour, ao menos para mim). Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade, Gonçalves Dias, Dorival Caymmi, Monteiro Lobato, Gregório de Matos, Mário de Andrade e toda uma constelação de poesias e trechos de textos iluminando o céu particular daquele espaço.

Abaixo, uma linha do tempo mostrando a evolução da língua de um lado. Do outro, um imenso corredor projeta a influência da língua na cultura. No meio, monitores isolados mostram a influência de outras línguas sobre a língua portuguesa. E no beco das palavras, brincamos de descobrir a origem de cada palavra.

Há ainda uma exposição temporária sobre os 50 anos de "Grande sertão: veredas". A expsoição concebida por Bia Lessa conseguiu tornar a vontade de se ler um livro, algo palpável, saindo da mente para o coração. Lá foi possível sentir a obra. Fazer as trilhas de Diadorim e de Riobaldo. Ver na secura do sertão, os sentimentos se destilando até chegar num estado de pureza.

Quem não visitou o museu, precisa urgentemente fazê-lo.

segunda-feira, agosto 07, 2006

Circulando por exposições

Ahhh... eu queria ter feito tanta coisa nesta última semana em que estive em Sampa. Acabei não fazendo tudo o que eu queria, mas sei que fiz muita coisa. Estar em Sampa é estar em contato com o mundo. Gosto disso.

Fico perdido no meio de tantas opções: teatro? Cinema? Circo? Exposições? Restaurantes? Bares? A cidade está sempre com algo novo para apresentar. E é sempre bom chegar num lugar sabendo que há coisas novas para se ver e viver.

Nesta semana, pude encontrar muitos amigos e fui em várias exposições:

* A casa maluca do estilista Marcelo Sommer
Na House of Palomino, uma retrospectiva dos 10 anos de carreira do estilista Marcelo Sommer. Fotos de pessoas que tinham desfilado há 10 anos atrás e agora. Alguns vestidos pendurados, uma parede forrada com camisetas criadas pelo estilista, peças de gosto duvidoso (quem é que usaria um sapato de Bozo? Ou uma saia no formato de cabeça de Minnie Mouse?). A exposição se apóia bastante em vídeos dos desfiles e fotografias. Senti falta de mais peças de roupas e de uma coerência onde se mostrasse a evolução do estilo Sommer.


* Emoção Art.ficial 3.0

No Itaú Cultural descobre-se uma exposição sobre arte digital e interatividade. Algo que já tinha visto na iNova lá na FAAP. O espaço foi bem montado, com ótimas instalações. Soprar dentes-de-leão virtuais? Datilografar letras que adquirem vida no papel? Cantar e ver sua sombra soltando uma névoa quase mágica ou algumas bolhas coloridas? Ou ficar no meio de uma chuva de letras e formar uma poesia? Curta todas as possibilidades nesta exposição. Vale a pena... e aproveite porque ainda não foi descoberta pelo grande público.


* Degas: o universo de um artista

Degas era mais do que um fascinado por bailarinas. Nesta exposição no MASP vemos isso. Há um olhar fascinado pelo movimento. Não apenas das bailarinas... incluem-se lavadeiras, cavalos e cavaleiros, mulheres tomando banho, prostitutas circulando nos salões da casa. Há uma série muito interessante de gravuras feitas por Picasso colocando Degas no meio de um prostíbulo (teoricamente, uma homenagem de Picasso a série de gravuras feitas por Degas sobre as prostitutas). As esculturas das bailarinas estão ali e várias telas de artistas contemporâneos ou que foram referência para a obra de Degas estão por ali.