terça-feira, agosto 22, 2006
Mitty: por que criamos laços com nossos animais de estimação?
No filme "Minha vida de cachorro" do sueco Lasse Halstrom, o garoto Ingemar olha para céu e fica pensando sobre a solidão de Laika no espaço cósmico. Laika era apenas uma cachorra vira-lata que foi pega pelos russos e enviada para o espaço. Mas mesmo assim, a história afetou a imaginação da criança no filme.
Ontem recebi a notícia de que uma das minhas cachorras morreu. Ela estava doente e já era bem velhinha (estava há mais de 12 anos na família), mas mesmo sabendo de tudo isso recebi a notícia com um certo choque.
Por que a gente se apega aos nossos animais de estimação? Os psiquiatras talvez digam que é pura transferência de afeto. E talvez seja... o mesmo sentimento e fantasia que permeia a imaginação de uma menina que brinca com a boneca e a ama como filha, deve ser o mesmo que faz com que criemos vínculos com os animais de estimação.
Acho que gostamos tanto assim dos animais de estimação porque são seres totalmente dependentes de nós. Há uma responsabilidade grande quando decidimos ter um cachorro ou um gato ou mesmo um aquário de peixes vermelhos. Aquelas vidas estão sob sua responsabilidade. E a retribuição disso, pelo menos eu sentia, era uma espécie de "amor incondicional".
Eu podia ser apenas eu, e as minhas cachorras simplesmente me aceitariam desta forma. Eu não precisava mudar ou agir diferententemente para agradá-las. Eu apenas era eu e tudo continuava da mesma forma.
Lembrei agora de dois livros que retratavam bem esta relação. Graciliano Ramos em "Vidas secas" falava da cachorra Baleia e, de longe, o relato da morte de Baleia é a parte mais tocante naquela miséria e secura de sentimentos. Como se os sentimentos do animal fossem mais profundos e tocantes do que os sentimentos ressequidos das personagens humanas.
O outro livro é "A insustentável leveza do ser" do Milan Kundera. Ali, Tereza lamenta sobre a cachorra Karenin, que sofre por conta de um câncer na perna. E parece haver ali tanto amor nesta relação entre Tereza e Karenin quanto há no relacionamento entre Tereza e Tomás, seu marido.
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- O que aconteceu com seu cachorro? Parece que ele está mancando!
Tereza responde:
- Está com câncer. Está condenado - e sente a garganta apertar, quase não pode falar.
A vizinha percebe as lágrimas de Tereza e fica indignada:
- Pelo amor de Deus, não vai chorar por causa de um cachorro!
Não disse isso por maldade, é uma boa mulher, foi mais para consolar Tereza. Tereza sabe disso, mora no lugar há tempo suficiente para compreender que se os camponeses gostassem de seus coelhos como ela gosta de Karenin não poderiam matá-los e acabariam morrendo de fome no meio de seus bichos. No entanto, a observação da vizinha lhe parece hostil.
- Sei - responde sem protestar, mas se apressa em dar-lhe as costas e continuar seu caminho. Sente-se sozinha em seu amor pelo cão. Pensa com um sorriso triste que deve escondê-lo mais secretamente do que se escondesse uma infidelidade. O amor que se tem por um cachorro escandaliza.
(de "A insustentável leveza do ser", Milan Kundera)
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Um comentário:
Eu senti saudades do Rex...
meu cachorrinho linduxo que está no céu, morreu tragicamente de cãncer tbm. Não gosto nem de lembrar que me dá uma angustia enorme.
Bjos
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