quinta-feira, setembro 21, 2006

Diario de viagem: dia 4 - viajando no tempo, baobas e esculturas de fumaca

A proposta do dia era conhecer a tão comentada ilha de Paquetá. Confesso que não tinha expectativa alguma em relação a viagem e por isso, nem sabia o que esperar.

Na estação das barcas, uma notícia chata: a barca para a ilha já tinha partido e agora, teríamos que esperar pela próxima que sairia 1 hora e meia depois. Aproveitamos (eu e minha amiga) que estávamos na região do centro e fomos caminhar pelo quadrilátero cultural do Rio de Janeiro: Espaço Cultural dos Correios, Centro Cultural Banco do Brasil, Casa França-Brasil.

No CCBB - Centro Cultural Banco do Brasil, uma exposição individual do Anish Kapoor. Quem não conhece, o artista indiano Anish Kapoor é famoso por suas obras esculturais que trabalham muito com a questão de espaço e perspectiva. A instalação que mais chamava a atenção era "Ascension".

Quando pensamos em escultura, pensamos em algo sólido, em pedra e outros suportes igualmente sólidos e maciços. Pois bem, em "Ascension", Anish Kapoor usa como matéria-prima o ar. Isso mesmo... no meio do saguão do CCBB, uma grande coluna de fumaça, às vezes mais grossa e nítida, outras vezes mais suave, seguia ocupando todo o vão central.

Quem diria... uma escultura feita em fumaça e vento, um mini-tornado no meio do saguão de um prédio antigo do Rio de Janeiro.

Do CCBB, fomos para a Casa França-Brasil. A exposição ali era uma individual com telas do Jô Soares. O que tenho a dizer sobre as telas do Jô? Sei lá... prefiro ele como comediante. Nem acho que ele seja um entrevistador bom quem dirá artista plástico. Escritor? Não vou comentar porque nem li "O Xangô de Baker Street" ou qualquer outro livro dele.

O relógio já indicava que a barca para a ilha iria partir em breve. Eu e minha amiga nos dirigimos para a estação das barcas e partimos. O percurso até a ilha dura 1h00... e fiquei meio assustado com isso. Em tempos de fast food, fast love e fast-qualquer coisa, a gente está acostumado com coisas mais rápidas. Em uma hora, muita coisa pode acontecer... no meu caso, eu estaria lá numa barca indo para a ilha de Paquetá, singrando a baía de Guanabara.

A sensação é que você está entrando numa outra esfera de tempo... onde tudo parece convidar a uma desaceleração e a um exercício de olhar contemplativo.

A chegada na ilha soa estranha... a barca atraca e de repente, vejo milhares de pessoas me abordando perguntando se eu quero uma charrete ou uma bicicleta. Percebi então que carros não circulam por ali. Ou se circula de charrete ou de bicicleta ou de algo semelhante a um riquixá (só que puxado por uma bicicleta).

O cheiro nas ruas era de cocô de cavalo... Aff... quem idealiza uma vida nos tempos medievais, deveria experimentar viver cercado por este cheiro 24 horas por dia. Adoro a modernidade!! risos. Seguimos a pé mesmo, meio apressados para ver o máximo possível e não perdermos a barca.

Caminhamos pela rua que margeia o mar no lado do atracadouro. E avisto ao longe, para minha surpresa, um baobá. Eu achava que os baobás eram árvores tipicamente africanas, mas eis que encontro um (bem grande por sinal) ali em Paquetá. Lembrei do livro de Antoine de Saint-Exupéry: "O pequeno príncipe".

E coincidentemente, anteontem tinha recebido de um amigo meu o texto do diálogo entre a raposa e o pequeno príncipe, aquele em que ela ensina o que significa "cativar". Ali, na ilha de Paquetá encontrei um baobá bem parecido com aqueles das ilustrações do Pequeno Príncipe. E não pude deixar de sentir que alguma coisa do pequeno príncipe estava desperto em mim. E também não pude deixar de lembrar da lição da raposa: Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.

Seguindo pela ilha, vimos o relógio e partimos em disparada em direção ao atracadouro. Sabe aquela visão que a gente só imagina nos filmes? Você num ilha e vendo o navio partindo ao longe sem você? Pois é... a imagem foi bem esta. Eu e minha amiga correndo e vendo o barco partindo lentamente para o continente. Sim, estávamos presos ali na ilha... pelo menos até a próxima barca que partiria somente daqui a 1h e meia.

E eu que tinha combinado de encontrar meu amigo para passarmos a tarde juntos na cidade, estava naquele momento, preso na ilha. O que fazer? Sentar e chorar? Claro que não... já que estava ali, iria caminhar e aproveitar para descobrir os caminhos daquela ilha.

Minha amiga quis matar a sede. Parou num boteco e se deliciou com uma Coca-Cola. Eu fui ao posto de telefones públicos e pedi por um cartão. O mais engraçado é que ali naquele posto de telefones públicos não tinham cartão para vender. Algo quase kafkaniano... e o melhor é continuar rindo para não chorar.

A sorte estava ao meu lado e minha amiga tinha um cartão com alguns minutos de conversa... liguei para meu amigo e disse que estava preso na ilha e que não poderia encontrá-lo naquela tarde.

O restante da tarde foi aproveitado numa caminhada pela ilha. Sim, vi a pedra da Moreninha (apesar de nem saber quem era a Moreninha e de nunca ter lido o livro do Joaquim Manoel de Macedo). Vi uma casa onde ficou hospedado o José Bonifácio de Andrada e Silva (ahhh... estes lugares que buscam qualquer resquício de história para transformar em pontos turísticos) e caminhei muuuuuito por um parque numa das pontas da ilha.

Segundo a placa, naquele local do parque havia uma mansão e o proprietário daquela área tinha até recebido a cientista Marie Curie em sua casa. O visual que se tem das ruínas é fantástico. E no século retrasado, aquele lugar deveria ser um verdadeiro paraíso. A impressão que tenho agora é que a ilha de Paquetá é um lugar anacrônico, marcado por saudosistas de um tempo áureo que não volta mais e que preferem manter uma aura de passado. Decadente ou saudosista? A conclusão fica para cada um que passar por ali. Eu me senti imerso numa verdadeira bolha de tempo...

Nada de barulhos de motores, nada de ruídos urbanos... Acho que isso só experimentei em poucas ocasiões: a primeira numa visita que fiz em Veneza. Nas ruas mais afastadas do agito, cruza-se com canais minúsculos e centenários e um silêncio estranho. A outra ocasião foi quando visitei Fernando de Noronha... via-se algum veículo somente no aeroporto ou na área da rodovia. O restante da ilha era dominado por céu, sol e mar... e que céu, e que sol, e que mar!!!

Um comentário:

Anônimo disse...

Luiz, não consegui vir aqui ontem, só agora.
Então, delícia dessa narrativa.
Dois detalhes:
Eu amo o JÔÔÔÔÔÔ! Haushaus
Eu vivo guardando uns babados aqui em casa, meus e das minhas meninas, pra quem sabe, um dia?
Vai que ficamos famosas e aqui em Patos terá a casa "Tibúrcio" onde viveu Rosana, ou uma das filhas... e lá vem o Luiz explorar essa "história"
Sem bosta de cavalo, só de pardal... rs
Vou pra o próximo capítulo.