domingo, março 06, 2005

Nunca gostei de estereótipos... principalmente aqueles que me afetam. Como descendente de japoneses sempre tive que lidar com piadinhas por parte dos outros. Ou mesmo acabar sendo encaixado em imagens que nunca desejei.

Lembro uma vez, quando eu estava no colegial e fui passar um feriado num hotel-fazenda com minha família. Numa espécie de gincana com perguntas e respostas, ficava pressionado porque todos olhavam para mim esperando a resposta. Como se o fato de ser descendente de japoneses, resultasse diretamente numa inteligência acima da média. Vai entender...

Pelo menos é um estereótipo positivo... mas é chato ser tachado logo de cara.

Bem, mas tudo isso é porque recebi uma troca de e-mails entre uma atriz de descendência japonesa (Eda Nagayama) e o serviço de atendimento ao consumidor da Chamex. Vale a pena dar uma lida. A discussão suscita alguns pontos para reflexão.
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De: Eda Nagayama
Enviada em: domingo, 13 de fevereiro de 2005 01:16
Assunto: Crítica


Gostaria de manifestar o meu profundo descontentamento e desagravo em relação à atual campanha publicitária da Chamex. Sou sansei, neta de imigrantes japoneses e sinto-me verdadeiramente ofendida com a atual campanha publicitária, imagem oficial da marca Chamex. Se por um lado é positiva a associação entre qualidade, eficiência, alegria e carnaval, o
produto e o personagem oriental, por outro lado, a caracterização de tal personagem é fortemente marcada pela reiteração de estereótipos que não agregam qualquer valor positivo à marca, muito menos à minha etnia. Não pretendo aqui dizer que tal imagem ou estereótipo do "japonês" tenha sido inventado pelos criadores de tal campanha, mas, sim, que considero
absolutamente depreciativo que a Chamex o avalize, justamente uma marca que se pretende moderna, superior às demais. Caracterizar o japonês de forma ridícula e utilizar mais uma vez a fala carregada pelo sotaque como recurso humorístico evidenciam uma visão arcaica e descompassada do oriental, reiterando assim, mesmo que não intencionalmente, a visão do japonês como um eterno estrangeiro, não importando que estejamos por completar 100 anos
de imigração. A Chamex opta por espelhar um triste Brasil: aquele incapaz de se reconhecer, velho e preconceituoso, do julgamento pelas aparências sejam de raça, beleza, riqueza ou pobreza.

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From: "sac"
To: Eda Nagayama
Sent: Monday, February 14, 2005 7:46 AM
Subject: Sac


Cara Eda,

Bem vinda ao Serviço de Atendimento ao Consumidor da International Paper do Brasil.

Referente à sua manifestação, esclarecemos que a nova campanha publicitária da Linha de Papéis Chamex tem este tema em função dos japoneses possuirem habilidades e conhecimentos tecnológicos apurados, visto o fato de desenvolverem equipamentos de última geração e estarem sempre no topo das listas de aprovação das principais universidades do país. Sem contar seu extremo carisma junto ao público brasileiro.

Todas estas características inerentes aos orientais só reforçaram a idéia deste tema representado por um técnico especialista em informática em nossa campanha, passando total credibilidade para os consumidores.

A expressão "Abra o olho", presente em todas as peças, vem de um antiqüíssimo jargão popular, que significa PRESTE ATENÇÃO, FIQUE ATENTO. Uma linha descontraída que em nenhum momento tem a intenção de ser negativa, e sim, valorizar o personagem e suas intenções de orientar o consumidor.

Esperamos que tenha entendido e nos colocamos à disposição por meio do SAC para mais informações.


Atenciosamente,

Anna Paula Biazzi
SAC - 0800 70 300 70
Serviço de Atendimento ao Consumidor
International Paper do Brasil Ltda.
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From: Eda Nagayama
Date: Tue, 15 Feb 2005 01:20:37 -0300
To: sac
Subject: Re: Sac


Cara Anna Paula,

Agradeço a resposta, mas não concordo com a argumentação que faz eufemismos do que seria realmente a suposta "graça" da campanha. Ressalto ainda que entre as boas intenções e os atos pode haver um abismo.

Já ouvi pessoalmente e mais de uma vez a expressão "abre o olho, japonesa!" e devo dizer que jamais pude 'ouvi-la' como um conselho positivo ou como uma brincadeira 'simpática': foi sempre em tom agressivo, ofensivo, como xingamento. Garanto não ter sido a única.

Gostaria de saber também qual é - na opinião da Chamex - o valor positivo agregado para nós - brasileiros descendentes de japoneses e para os demais brasileiros, em apresentar um oriental com aquele sotaque. Somente os imigrantes falam com um sotaque algo parecido com aquele, mas não os brasileiros nascidos aqui. Desculpe-me, mas, na minha opinião, continua sendo uma campanha infeliz. Na sua argumentação, há ainda a mistura equivocada da imagem do Japão tecnológico e ultra-moderno com os brasileiros, descendentes de imigrantes, de 'performance' estudantil destacada. Só faltou o "japonês é tudo igual" - os daqui e os de lá.

Questione um árabe se ele aprecia ver um personagem estereotipado e com sotaque, ou pior, chame-o de "turco", ou ainda apresente um judeu como sovina, ou pergunte a um homossexual se ele gosta de ver a sua opção figurada como uma 'bicha desvairada'. São usos infelizes que não respeitam ou valorizam as diferenças, as identidades. O preconceito torna-se mais grave quando mascarado ou justificado.

Cordialmente,

Eda Nagayama

Um comentário:

Anônimo disse...

oi, sei que faz tempo em que houve uma troca de e-mails com a atriz Eda Nagayama, mas só encontrei agora.Achei incrível como podemos ser ofensivos( algumas vezes até sem essa intenção)! Concordo em número e grau com a opinião dela e pensando nisso, teria como mandar um e-mail p ela? É que estou escrevendo um romance em que o personagem principal é um japones...e depois de ler os e-mail, fiquei com medo de ser também ofensivo.motenaialfaia@hotmail.com