Lembro uma vez, quando eu estava no colegial e fui passar um feriado num hotel-fazenda com minha família. Numa espécie de gincana com perguntas e respostas, ficava pressionado porque todos olhavam para mim esperando a resposta. Como se o fato de ser descendente de japoneses, resultasse diretamente numa inteligência acima da média. Vai entender...
Pelo menos é um estereótipo positivo... mas é chato ser tachado logo de cara.
Bem, mas tudo isso é porque recebi uma troca de e-mails entre uma atriz de descendência japonesa (Eda Nagayama) e o serviço de atendimento ao consumidor da Chamex. Vale a pena dar uma lida. A discussão suscita alguns pontos para reflexão.
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De: Eda Nagayama
Enviada em: domingo, 13 de fevereiro de 2005 01:16
Assunto: Crítica
Gostaria de manifestar o meu profundo descontentamento e desagravo em relação à atual campanha publicitária da Chamex. Sou sansei, neta de imigrantes japoneses e sinto-me verdadeiramente ofendida com a atual campanha publicitária, imagem oficial da marca Chamex. Se por um lado é positiva a associação entre qualidade, eficiência, alegria e carnaval, o
produto e o personagem oriental, por outro lado, a caracterização de tal personagem é fortemente marcada pela reiteração de estereótipos que não agregam qualquer valor positivo à marca, muito menos à minha etnia. Não pretendo aqui dizer que tal imagem ou estereótipo do "japonês" tenha sido inventado pelos criadores de tal campanha, mas, sim, que considero
absolutamente depreciativo que a Chamex o avalize, justamente uma marca que se pretende moderna, superior às demais. Caracterizar o japonês de forma ridícula e utilizar mais uma vez a fala carregada pelo sotaque como recurso humorístico evidenciam uma visão arcaica e descompassada do oriental, reiterando assim, mesmo que não intencionalmente, a visão do japonês como um eterno estrangeiro, não importando que estejamos por completar 100 anos
de imigração. A Chamex opta por espelhar um triste Brasil: aquele incapaz de se reconhecer, velho e preconceituoso, do julgamento pelas aparências sejam de raça, beleza, riqueza ou pobreza.
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From: "sac"
To: Eda Nagayama
Sent: Monday, February 14, 2005 7:46 AM
Subject: Sac
Cara Eda,
Bem vinda ao Serviço de Atendimento ao Consumidor da International Paper do Brasil.
Referente à sua manifestação, esclarecemos que a nova campanha publicitária da Linha de Papéis Chamex tem este tema em função dos japoneses possuirem habilidades e conhecimentos tecnológicos apurados, visto o fato de desenvolverem equipamentos de última geração e estarem sempre no topo das listas de aprovação das principais universidades do país. Sem contar seu extremo carisma junto ao público brasileiro.
Todas estas características inerentes aos orientais só reforçaram a idéia deste tema representado por um técnico especialista em informática em nossa campanha, passando total credibilidade para os consumidores.
A expressão "Abra o olho", presente em todas as peças, vem de um antiqüíssimo jargão popular, que significa PRESTE ATENÇÃO, FIQUE ATENTO. Uma linha descontraída que em nenhum momento tem a intenção de ser negativa, e sim, valorizar o personagem e suas intenções de orientar o consumidor.
Esperamos que tenha entendido e nos colocamos à disposição por meio do SAC para mais informações.
Atenciosamente,
Anna Paula Biazzi
SAC - 0800 70 300 70
Serviço de Atendimento ao Consumidor
International Paper do Brasil Ltda.
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From: Eda Nagayama
Date: Tue, 15 Feb 2005 01:20:37 -0300
To: sac
Subject: Re: Sac
Cara Anna Paula,
Agradeço a resposta, mas não concordo com a argumentação que faz eufemismos do que seria realmente a suposta "graça" da campanha. Ressalto ainda que entre as boas intenções e os atos pode haver um abismo.
Já ouvi pessoalmente e mais de uma vez a expressão "abre o olho, japonesa!" e devo dizer que jamais pude 'ouvi-la' como um conselho positivo ou como uma brincadeira 'simpática': foi sempre em tom agressivo, ofensivo, como xingamento. Garanto não ter sido a única.
Gostaria de saber também qual é - na opinião da Chamex - o valor positivo agregado para nós - brasileiros descendentes de japoneses e para os demais brasileiros, em apresentar um oriental com aquele sotaque. Somente os imigrantes falam com um sotaque algo parecido com aquele, mas não os brasileiros nascidos aqui. Desculpe-me, mas, na minha opinião, continua sendo uma campanha infeliz. Na sua argumentação, há ainda a mistura equivocada da imagem do Japão tecnológico e ultra-moderno com os brasileiros, descendentes de imigrantes, de 'performance' estudantil destacada. Só faltou o "japonês é tudo igual" - os daqui e os de lá.
Questione um árabe se ele aprecia ver um personagem estereotipado e com sotaque, ou pior, chame-o de "turco", ou ainda apresente um judeu como sovina, ou pergunte a um homossexual se ele gosta de ver a sua opção figurada como uma 'bicha desvairada'. São usos infelizes que não respeitam ou valorizam as diferenças, as identidades. O preconceito torna-se mais grave quando mascarado ou justificado.
Cordialmente,
Eda Nagayama
Um comentário:
oi, sei que faz tempo em que houve uma troca de e-mails com a atriz Eda Nagayama, mas só encontrei agora.Achei incrível como podemos ser ofensivos( algumas vezes até sem essa intenção)! Concordo em número e grau com a opinião dela e pensando nisso, teria como mandar um e-mail p ela? É que estou escrevendo um romance em que o personagem principal é um japones...e depois de ler os e-mail, fiquei com medo de ser também ofensivo.motenaialfaia@hotmail.com
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