Cada vez mais vemos o mercado de trabalho enlouquecido... São tantas exigências, tantas solicitações, tão pouca remuneração. Outro dia, uma amiga minha foi contratada como consultora de marketing. Pasmem. Ela não pode receber nem fazer ligações, nem do seu próprio celular. Seu horário de almoço é controlado por um guarda, que anota sua entrada e saída. Eu imagino como não deverão ser as exigências para a copeira. Enfim, eis um texto que fala um pouco sobre isso.
(Max Gehringer-Colunista Revista EXAME) 
  Vi um anúncio de emprego. A vaga era de gestor de atendimento interno, 
nome que agora se dá à seção de serviços gerais. E a empresa contratante 
exigia que os eventuais interessados possuíssem - sem contar a formação 
superior - liderança, criatividade, energia, ambição, conhecimentos de 
informática, fluência em inglês e não bastasse tudo isso, ainda fossem hands 
on. 
  Para o felizardo que conseguisse convencer o entrevistador de que possuía 
mesmo essa variada gama de habilidades, o salário era um assombro: 800 
reais. Ou seja, um pitico. 
  Não que esse fosse algum exemplo absolutamente fora da realidade. Pelo 
contrário, ele é quase o paradigma dos anúncios de emprego atuais... A 
abundância de candidatos está permitindo que as empresas levantem, cada vez 
mais, a altura da barra que o postulante terá de saltar para ser  admitido. 
  E muitos, de fato, saltam. E se empolgam. 
  E aí vêm as agruras da superqualificação, que é uma espécie do lado avesso 
do efeito pitico... 
  Vamos supor que, após uma duríssima competição com outros candidatos tão 
bem preparados quanto ela, a Fabiana conseguisse ser admitida como gestora 
de atendimento interno. 
  E um de seus primeiros clientes fosse o seu Borges, gerente da 
contabilidade. 
  - Fabiana, eu quero três cópias deste relatório. 
  - In a hurry! 
  - Saúde. 
  - Não, isso quer dizer "bem rapidinho". É que eu tenho fluência em inglês. 
Aliás, desculpe perguntar, mas por que a empresa exige fluência em inglês se 
aqui só se fala português? 
  - E eu sei lá? Dá para você tirar logo as cópias? 
  - O senhor não prefere que eu digitalize o relatório? Porque eu tenho 
profundos conhecimentos de informática. 
  - Não, não. Cópias normais mesmo. 
  - Certo. Mas eu não poderia deixar de mencionar minha criatividade. Eu já 
comecei a desenvolver um projeto pessoal visando eliminar 30% das 
cópias que tiramos. 
  - Fabiana, desse jeito não vai dar! 
  - E eu não sei? Preciso urgentemente de uma auxiliar. 
  - Como assim? 
  - É que eu sou líder, e não tenho ninguém para liderar. E considero isso 
um desperdício do meu potencial energético. 
  - Olha, neste momento, eu só preciso das três có... 
  - Com certeza. Mas antes vamos discutir meu futuro... 
  - Futuro? Que futuro? 
  - É que eu sou ambiciosa. Já faz dois dias que eu estou aqui e ainda não 
aconteceu nada. 
  - Fabiana, eu estou aqui há 18 anos e também não me aconteceu nada! 
  - Sei. Mas o senhor é hands on? 
  - Hã? 
  - Hands on. Mão na massa. 
  - Claro que sou! 
  - Então o senhor mesmo tira as cópias. E agora com licença que eu vou sair 
por aí explorando minhas potencialidades. Foi o que me prometeram quando eu 
fui contratada. 
  Então, o mercado de trabalho está ficando dividido em duas facções: 
  1 - Uma, cada vez maior, é a dos que não conseguem boas vagas porque não 
têm as qualificações requeridas. 
  2 - E o outro grupo, pequeno, mas crescente, é o dos que são admitidos 
porque possuem todas as competências exigidas nos anúncios, mas não 
poderão usar nem metade delas, porque, no fundo, a função não precisava 
delas. 
  Alguém ponderará - com justa razão - que a empresa está de olho no longo 
prazo: sendo portador de tantos talentos, o funcionário poderá ir sendo 
preparado para assumir responsabilidades cada vez maiores. 
  Em uma empresa em que trabalhei, nós caímos nessa armadilha. Admitimos um 
montão de gente superqualificada. E as conversas ficaram de tão alto nível 
que um visitante desavisado que chegasse de repente confundiria nossa 
salinha do café com o auditório da Fundação Alfred Nobel. 
  Pessoas superqualificadas não resolvem simples problemas! 
  Um dia um grupo de marketing e finanças foi visitar uma de nossas fábricas 
e no meio da estrada, a van da empresa pifou. Como isso foi antes do advento 
do milagre do celular, o jeito era confiar no especialista, o Cleto, 
motorista da van. 
  E aí todos descobriram que o Cleto falava inglês, tinha noções de 
informática e possuía energia e criatividade. Sem mencionar que estava 
fazendo pós-graduação. 
  Só que não sabia nem abrir o capô. 
  Duas horas depois, quando o pessoal ainda estava tentando destrinchar o 
manual do proprietário, passou um sujeito de bicicleta. 
  Para horror de todos, ele falava "nóis vai" e coisas do gênero. 
  Mas, em 2 minutos, para espanto geral, botou a van para funcionar. 
  Deram-lhe uns trocados, e ele foi embora feliz da vida. 
  Aquele ciclista anônimo era o protótipo do funcionário para quem as 
empresas modernas torcem o nariz: o que é capaz de resolver, mas não de 
impressionar!!!!
segunda-feira, outubro 24, 2005
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